sexta-feira, 15 de maio de 2009

II Congresso Republicano e a identidade dos aveirenses



Existe uma marca histórica indelével da identidade dos aveirenses. No período cinzento e sem abertura que foi o salazarismo, esta cidade tornou-se o epicentro de reunião e reflexão das correntes que se opunham ao regime autoritário. Os três congressos republicanos (mais tarde apelidados da oposição democrática) em 1957, 1969 e 1973 realizados em Aveiro, foram momentos essenciais na luta contra a ditadura e o rosto de quem pensava diferente, momentos que proporcionaram o encontro, a troca de ideias  e a união de quem queria construir um Estado verdadeiramente democrático em Portugal. 

Em 1957, 1969 e 1973, os democratas aveirenses foram capazes, com perseverança e coragem, de possibilitar o encontro de todos os democratas e demonstrar a todo o país que era possível lutar contra o que parecia impossível. Segundo, Joaquim Silveira, um dos democratas envolvidos na organização do Congresso, "era em Aveiro que havia pessoas mais motivadas para as lutas políticas. Aveiro não era propriamente um distrito muito democratizado, mas havia uma vontade firme de combater o regime". O nosso Teatro Aveirense encheu de congressistas liberais, esquerdistas, socialistas e comunistas, entre os quais os aveirenses Mário Sacramento, Álvaro Seiça Neves, Costa e Melo, Artur Bártolo, Augusto Chaves, Flávio Sardo, João Sarabando, Joaquim Silveira, Carlos Candal, Jorge Sarabando, Santos Pato e Élio Sucena

No próximo Sábado, dia 16 de Maio, comemora-se no Teatro Aveirense, palco do II Congresso Republicano, os 40 anos da segunda reunião dos democratas portugueses. Mário Soares, que também participou no II Congresso Republicano, irá estar presente, bem como o Ministro Rui Pereira, Filipe Neto Brandão, Élio Maia e Artur Santos Silva. 

Compreender e assinalar eventos e personalidades da História de uma comunidade é um elemento fulcral para motivar o sentimento de pertença, a identidade e o espírito cívico de um povo. Não há identidade e capacidade para unir os aveirenses sem recorrer à justa exaltação de um momento único da nossa história, que demonstra, visceralmente, o espírito de ser aveirense e o amor irredutível à liberdade que possuímos. Para Filipe Neto Brandão, governador civil de Aveiro, "Comemorar o II Congresso Republicano, para além da justa exaltação da memória dos homens e mulheres que o idealizaram e tornaram possível, constituirá uma oportunidade para revisitar os valores republicanos enquanto projecto, nunca acabado, de regeneração política e de afirmação da cidadania".

Movimento AdoroAveiro 

1 comentário:

  1. Quarenta anos depois
    por Mário Soares

    1. Celebrou-se no sábado o 40.º aniversário do II Congresso Republicano de Aveiro. Foi uma iniciativa cívica do governador civil de Aveiro, Filipe Neto Brandão, a que se associou o presidente da câmara, Élio Maia, o ministro da Administração Interna, Rui Pereira, em representação do primeiro-ministro, e o presidente das Comemorações para o Centenário da República, Artur Santos Silva. Tive o grande gosto de ser um dos convidados para falar, dado que sou um dos raros sobreviventes desse tempo tão difícil.

    Aveiro é uma terra essencialmente liberal e republicana. É a terra do grande tribuno do liberalismo José Estêvão e dos mártires de Aveiro que em 1828 se revoltaram contra o absolutismo miguelista e foram supliciados na Praça Nova do Porto. É a terra do grande jornalista Homem Cristo, director do Povo de Aveiro, com grande influência a nível nacional, de Sebastião de Magalhães Lima, grande figura da República e grão-mestre da Maçonaria, entre muitos outros.

    Os congressos republicanos foram três: o I, em 1957, antes do terramoto cívico provocado pela candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República, a que Salazar chamou "uma tentativa de golpe de Estado constitucional". Foi promovido pelo meu saudoso amigo e grande resistente à ditadura Mário Sacramento; o II, já na era de Marcelo Caetano, deu-se na chamada "primavera caetanista", em 1969 organizado pelo meu camarada no MUD Juvenil Álvaro Seiça Neves, Mário Sacramento tinha acabado de morrer; e o III, em 1973, que acabou mal, com cargas violentas da PIDE, então "crismada" de DGS, sobre os participantes, entre os quais se encontravam o director do jornal República, Raul Rego, a minha mulher, filho e vários correspondentes estrangeiros. Foi o cair da máscara de um regime desesperado e à beira da agonia...

    Curiosamente, e não por acaso, quem possibilitou a realização dos três congressos republicanos, que revestiram um carácter nacional, e tiveram grande repercussão, foi o governador civil da época, Vale Guimarães, de tradição liberal, que autorizou o primeiro ainda no Governo de Salazar e foi demitido por ter sido excessivamente permissivo, mas que voltou depois ao Governo Civil nomeado por Caetano, de quem era amigo.

    Participei no II Congresso Republicano, tinha acabado de regressar da deportação em São Tomé e estávamos na preparação das pseudo-eleições de 1969, que constituíram um teste absolutamente negativo para a "evolução na continuidade", anunciada por Caetano. Foram a prova da continuidade, mas não da evolução nem, muito menos, da mudança necessária. A tese que apresentei e li - no II Congresso - intitulava-se "A Constituição de 1933 e a evolução democrática do País", foi editada nas Actas do Congresso e transcrita num livro meu, Escritos Políticos, que saiu nesse mesmo ano de 1969 e teve quatro edições, apesar de retirado das livrarias e vendido clandestinamente. Propunha então que a Constituição, "ultrapassada nas suas determinantes ideológicas e envelhecida pelo tempo e pelas conjunturas políticas", deveria ser "profundamente revista" pela Assembleia que iria ser eleita, se as "eleições fossem efectivamente livres". Propunha, aliás, dois referendos: um sobre o problema ultramarino, "pondo fim às guerras em que o país se encontra envolvido, pelo repúdio de todas as formas de colonialismo e pelo respeito efectivo do princípio da autodeterminação, com todas as suas consequências" (Isto cinco anos antes do 25 de Abril!); e o outro "sobre a orientação corporativa da nossa vida económica", que estava a atrasar o de-senvolvimento do País, numa Europa a evoluir no sentido de um mercado comum, livre e sem fronteiras.
    Contudo, a "primavera caetanista", por falta de visão e de coragem do seu chefe, iria involuir em sentido contrário. As eleições de 1969 foram uma autêntica fraude. A chamada "ala liberal", que confiou nas promessas de Caetano e de Melo e Castro, acabou por reconhecer a fraude e ter de abandonar a Assembleia. Por meu lado, encabecei a lista da oposição por Lisboa, CEUD, obviamente derrotada. Decidi depois fazer uma viagem pela América Latina e do Norte, onde conheci muita gente em busca também de um caminho para a democracia. Era o tempo dos boys da Escola de Chicago e das ditaduras militares.

    Em Nova Iorque, tive a notícia da prisão de Salgado Zenha e Jaime Gama, ambos membros da lista eleitoral da CEUD. Consegui fazer uma conferência de imprensa em Nova Iorque, no Overseas Press Club, graças ao prestígio de Victoria Kent, republicana espanhola no exílio e directora da Revista Ibérica, de que fui assíduo colaborador. Assim, denunciei o Governo de Marcelo Caetano como uma ditadura cruel e, sobretudo, as guerras coloniais em que o Governo português estava envolvido sem qualquer saída à vista. A conferência teve imensa repercussão nos jornais americanos e também europeus. O Governo português reagiu violentamente, fizeram manifestações de desagravo, escreveram nas paredes "abaixo o "turra", com o meu nome, e chamaram-me "traidor à Pátria", anunciando que iam pôr um processo contra mim. A minha mulher telefonou-me, muito preocupada, a pedir que não regressasse. Foi assim que decidi ir para Paris, onde me dispus a acabar o livro, que publicaria em França, Portugal Baillonné.
    Entretanto, tive a tristíssima notícia de que tinha falecido o meu pai. Regressei no primeiro avião para assistir ao funeral. Tinha 92 anos! Esperava ser preso. Mas não fui. Dois dias depois, fui chamado à PIDE pelo inspector Pereira de Carvalho, que me disse, em nome do Governo, que ia ser expulso de Portugal se não saísse dentro de quatro horas. "Seria de novo deportado para uma ilha mais longe do que São Tomé." Optei pelo exílio.

    No III Congresso Republicano, em 1973, estava deportado em Paris. Não podendo ir, enviei um texto para ser lido. Mas não foi. Disseram-me que não chegou a tempo. Mas foi publicado nas Actas dos Congressos e eu transcrevi-o num livro que publiquei logo a seguir ao 25 de Abril, Escritos do Exílio.

    Sinto-me, por isso, muito ligado aos congressos de Aveiro, que foram um marco muito importante na luta contra o salazarismo e o caetanismo. Por todas as razões, gostei muito de ter estado no sábado, de novo, no velho Teatro Aveirense, agora renovado. Lembrei-me muito dos meus amigos Mário Sacramento, Seiça Neves, João Sarabando, Costa e Melo e Carlos Candal, ao qual desejo rápidas melhoras. O governador civil está de parabéns! Foi uma cerimónia que invocou o nosso património comum de resistência. Um exemplo para os jovens!

    2. O chamado bloco central voltou a ser tema dos jornais nas últimas semanas, na perspectiva de mudanças e de incerteza quanto aos resultados da eleição do ano que corre. Como com o prof. Mota Pinto fomos os dois principais protagonistas dessa velha experiência, tão criticada mas com resultados tão positivos, estou à vontade para dizer alguma coisa sobre o assunto.

    E começo por dizer que me parece absolutamente inoportuno esse debate e que não vejo razões válidas para repetir a experiência, em condições políticas e económicas tão diferentes das de então.

    Inoportuno porque antes de qualquer acordo não se deve discuti-lo na praça pública, antes sequer de se conhecer o resultado das eleições. É pelo menos insensato.

    Depois, porque as condições geopolíticas são completamente diferentes e não o justificam. A crise que vivemos agora é global e importada. E se sabemos alguma coisa do modo como a vencer é assegurando uma mudança de paradigma económico e social, como tenho dito e repetido. Políticas de esquerda, portanto: dignificação do trabalho, luta prioritária contra o desemprego, protecção social para os mais desfavorecidos, punição dos culpados, redução drástica das desigualdades, regulação da globalização, reestruturação das organizações financeiras internacionais, regresso aos valores éticos, etc.

    Ora, sendo assim, se o PS não tiver maioria absoluta, a viragem que poderá ser útil fazer não é rumar ao centro nem, muito menos, à direita, mas sim à esquerda, que é o que o eleitorado espera, uma vez que a esquerda, no seu conjunto, continuará a ter uma maioria e, porventura mesmo, muito sólida. Então? Em democracia não se deve ir contra a corrente do eleitorado, mesmo que aparentemente haja divergências sérias numa parte dele...

    Há outra razão ainda. Entre os dois líderes do bloco central havia sólidos motivos de entendimento, que se veio a transformar numa efectiva amizade. Por isso aguentámos quase três anos e superámos todos os imensos problemas - e cascas de banana - que nos foram postos debaixo dos pés, de ambos os lados... Está isso longe de ser o caso actual.

    DN, 19/05/2009

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